A tarifa de 50% dos Estados Unidos deve afetar as exportações de frutas do Brasil para lá. Produtores de manga, principal item embarcado para os norte-americanos, do Vale do São Francisco, na divisa entre Pernambuco e Bahia, já paralisaram as negociações dos embarques que iriam começar em agosto e poderiam render mais de US$ 50 milhões em negócios. Há estimativas de queda de até 70% do volume previsto para 2025 se a taxação for concretizada. O movimento também pode afetar o preço do produto exportado para outros destinos, como a Europa.
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“Ainda não estava havendo embarque [neste momento] para os Estados Unidos. A manga iria começar forte agora, mas estão todos em stand-by, todo mundo parou. Não está no contêiner, mas paralisaram as comercializações”, afirmou Luiz Roberto Barcelos, sócio-fundador da Agrícola Famosa, uma das maiores empresas produtoras de frutas do país.
Os negócios da empresa, em si, não serão tão afetados, disse Barcelos, que já foi presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). A Famosa exporta melões para os norte-americanos, mas “consegue sobreviver sem os Estados Unidos”, afirmou. Durante quatro ou cinco semanas, entre setembro e outubro, o Brasil é praticamente o único fornecedor das redes de supermercados americanas.
As exportações de frutas brasileiras para os Estados Unidos alcançaram US$ 148 milhões em 2024. A manga é o principal item da cesta, com envio de 36 mil toneladas no ano passado e receita de US$ 45,8 milhões. Para 2025, a expectativa era embarcar 48 mil toneladas do produto. O Brasil também envia uva, melancia, melão, entre outras. O mamão é enviado de avião para lá.
A janela de exportação de manga para os Estados Unidos vai de meados de agosto até a metade de novembro. A fruta chega aos portos da Filadélfia e Nova Iorque na entressafra do México, principal exportador do produto.
Com a tarifa anunciada por Trump, a exportação das 12 milhões de caixas de manga que estavam na programação para os Estados Unidos nos próximos meses passou a ser dúvida. O clima é de compasso de espera no setor. Os produtos foram negociados a US$ 4,5 por caixa e os embarques gerariam faturamento de US$ 54 milhões.
Não houve cancelamento de contratos até agora, mas a comercialização está em “stand-by”, disse Gilmar Mello é fundador e diretor da Amazon Network, principal importadora e distribuidora de mangas do Brasil nos Estados Unidos. Cerca de 35% das exportações da fruta brasileira passam pela empresa.
“A imposição de tarifa deste tamanho é motivo de força maior, o contrato passa a ficar realmente em stand-by, todo mundo fica com pé atrás”, contou ao Valor. “Se isso se confirmar, vamos iniciar um trabalho de informar aos nossos clientes, os supermercados que fazem planejamento de longo prazo, que houve esse fato e que, possivelmente, não iremos fornecer o produto que eles precisam”, acrescentou Mello.
Se confirmada a taxação, a exportação de manga neste ano aos Estados Unidos deve ficar limitada a 3,5 milhões de caixas, apostou. “A implementação da tarifa dessa magnitude iria reduzir o volume de manga brasileira de forma brutal, em cerca de 70%”, afirmou. Ele lembra que já está em vigor, desde abril, uma taxa de 10% e que a conta total vai a 60% em agosto. “Com essa tarifa , o Brasil não teria condição de competir com o México. Vai impactar no início da safra se isso não for resolvido em 10 dias”, completou.
Temporada começa em agosto
A temporada de exportação de manga do Brasil para os Estados Unidos começa em agosto, justamente quando a nova tarifa entrará em vigor. A safra está um pouco atrasada por conta do clima mais frio no Vale do São Francisco. “Se a taxação permanecer até lá, certamente será desastroso para a mangicultura do Vale”, afirmou Paulo Dantas, diretor comercial da Agrodan, maior exportadora de manga do país.
A empresa de Dantas, no entanto, não vende para os norte-americanos, mas tem mercado cativo na Europa, principal importador das frutas brasileiras no geral. Em 2024, os europeus importaram 200 mil toneladas das 258 mil toneladas exportadas pelas empresas nacionais.
Com a tarifa de Donald Trump e o possível redirecionamento da manga para os países europeus, os preços da fruta podem ser afetados. “Pode redirecionar o volume para a Europa, e complicar esse mercado. Vai aumentar muito o volume para a Europa, e despencar os preços”, afirmou Dantas.
Em 2024, a Agrodan exportou 30 mil toneladas de manga para o continente europeu. Em 2025, a previsão é chegar a 36 mil toneladas. O preço atual da fruta ao sair das fazendas em Pernambuco e na Bahia está em 4 euros por caixa de 4 quilos.
Gilmar Mello, da Amazon Network, disse que o volume de manga exportado para os Estados Unidos ainda é “pequeno”, mas grande o suficiente para equilibrar os outros mercados para haver níveis de preços rentáveis ao produtor e ao exportador. “Com as tarifas altas, esses 70% da manga que deveria ir para os Estados Unidos ficará no mercado interno ou irá para o mercado europeu, seguramente isso impacta em preços”, avaliou.
“Esse volume a mais acaba derrubando o preço em todos os lugares. O impacto indireto das tarifas é bem maior”, explicou Luiz Roberto Barcelos, da Agrícola Famosa. “O ambiente que isso vai causar é pior, dá muita insegurança”, concluiu.
Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas, disse em nota que os Estados Unidos têm sido um parceiro comercial importante para a fruticultura brasileira, e que as relações comerciais entre exportadores brasileiros e importadores americanos têm sido pautadas pelo “respeito mútuo, equilíbrio e elevado nível de profissionalismo”.
Segundo ele, o modelo de negócio “ganha-ganha” com os norte-americanos precisa ser mantido. O dirigente acredita no consenso para normalizar questões tarifárias e retomar a normalidade da relação bilateral. “Foi por meio desse modelo que os consumidores norte-americanos passaram a ter acesso a frutas tropicais saborosas e seguras, que tem contribuído para a saúde e o bem-estar daquela sociedade. A continuidade desse processo é uma aspiração legítima dos empreendedores dos dois países”, afirmou, na nota.
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