Um ano depois do incêndio que destruiu o Shopping Popular, no bairro Dom Aquino, em Cuiabá, o Primeira Página foi até o local devastado pelo fogo e também visitou a estrutura improvisada em contêineres para abrigar os comerciantes, até a conclusão do novo espaço.
O incêndio consumiu centenas de lojas em menos de meia hora, deixando rastros de prejuízo, incertezas e dor para mais de 600 famílias.

“Meus filhos me abraçaram chorando e ali a ficha caiu”
Com 26 anos de trabalho no Shopping Popular, a comerciante Josiane Régis ainda se emociona ao lembrar da madrugada do incêndio.
“Na hora que eu cheguei, vi o shopping pegando fogo, mas a ficha só caiu quando cheguei em casa e meus filhos me abraçaram, chorando. Ali eu desabei. Era minha única fonte de renda”, declarou.
Durante os cinco meses que ficou sem trabalhar, Josiane contou com apoio do marido, do pai e de um representante comercial parceiro. “Meu representante mandou mercadoria e disse: ‘vai pagando como der’. Meu pai me emprestou dinheiro. Eu fazia doce, queijo, vendia galinha, porco… a mulher brasileira dá um jeito”, disse.
Porém, a intenção é esquecer a destruição registrada naquela madrugada e olhar para frente. “Não gosto de pensar no incêndio. Comecei de novo em dezembro e não quero mais lembrar. A gente recomeçou das cinzas. Hoje, estamos aqui e temos um espaço, mesmo que mais simples. E isso é motivo para agradecer”, destacou.

Funcionário de uma loja de jogos eletrônicos no shopping, Ricardo Amorim Cruz contou que se lembra com exatidão do momento em que soube do incêndio.
“Eu já estava de uniforme, me preparando para sair de casa quando me ligaram dizendo que tinha pegado fogo e que não precisava ir trabalhar. Na hora foi difícil entender o que estava acontecendo”, contou.
À época, o emprego era a única fonte de renda dele, que morava sozinho e precisou encontrar outras formas de ter renda. “Comecei a trabalhar por fora, corri atrás, me virei. Depois de um tempo, conseguimos voltar a trabalhar, mesmo que em uma estrutura menor”, relatou.
Hoje, ele vê com esperança a possibilidade de retorno à nova estrutura permanente. “Comparado ao que era antes, decaiu um pouco, mas dá para entender. Está sendo reconstruído. Foi bem difícil no começo, mas a gente conseguiu se reerguer, que é o que importa”, disse.
“Foi como um luto”
A comerciante de armações de óculos, Lediane Silva Oliveira está no Shopping Popular desde 2011. Ela perdeu tudo no incêndio — mercadorias, aparelhos e estrutura. “Foi uma tristeza muito grande. Para mim foi um luto de um dia. No outro, eu já estava na rua tentando recomeçar. Trabalhamos cinco meses nas calçadas”, lembrou.
Segundo ela, não houve ajuda institucional. “Não recebemos ajuda de ninguém. Muita promessa, muita gente fez vídeo, mas quem ajudou mesmo foi só um senhor, o Cássio. Ele cedeu um espaço coberto para a gente trabalhar por cinco ou seis meses sem cobrar aluguel”, destacou.

Hoje, Lediane mantém duas lojas no espaço provisório. “É uma luta diária. Aqui é quente, não tem ar-condicionado. Só vem quem quer mesmo ajudar. A gente espera com o coração alegre a nova estrutura, para poder atender melhor”, afirmou.
Incêndio devastador
O incêndio teve início na madrugada de 15 de julho de 2024. As primeiras fumaças foram registradas por câmeras de segurança às 2h26, e os bombeiros chegaram 7 minutos após o chamado, às 2h53.
Mas, naquele curto intervalo, o fogo já havia tomado grande parte da estrutura. No dia do incêndio, o Corpo de Bombeiros informou que o local abrigava grande quantidade de material combustível, o que contribuiu para a propagação rápida das chamas.
Quando os militares chegaram ao local, a parede do segundo piso, que tem 12 metros, estava consumida pelas chamas que “alcançavam tranquilamente 15 metros de altura”, segundo disse à época o tenente-coronel Heitor Fernandes da Luz.
Com 160 páginas, o laudo pericial divulgado pela Politec (Perícia Oficial e Identificação Técnica) confirmou que o incêndio foi acidental, causado por um superaquecimento elétrico no interior de um box localizado no piso inferior do prédio.

A investigação pericial analisou imagens de 14 gravadores e mais de 280 câmeras de segurança, além de verificar o funcionamento da central de alarme de incêndio. Também foram considerados os projetos estruturais e elétricos do shopping.
Estrutura improvisada
Logo depois do incêndio, os comerciantes montaram barracas na Avenida Carmindo de Campos, na lateral do prédio, para continuarem vendendo seus produtos, até que cinco meses – em dezembro de 2024 – passaram a ocupar a estrutura provisória de contêineres.

O espaço foi montado no estacionamento do próprio Shopping Popular e tem 5 mil m², com capacidade para 600 bancas, distribuídas em 216 contêineres.
A estrutura, que custa R$ 1,7 milhão ao ano, foi financiada pela associação dos lojistas, com investimento de cerca de R$ 3 milhões. A obra foi acompanhada por órgãos técnicos como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MT) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (CAU-MT).
Para manter a estrutura funcionando, cada comerciante arca com uma taxa de condomínio mensal de R$ 1.344.
Segundo Misael Galvão, presidente da Associação dos Camelôs do Shopping Popular, a reconstrução do novo Shopping Popular está com 85% da etapa de pré-moldado pronta e futuramente entrará nas fases de elétrica, hidráulica, contrapiso, cobertura e acabamentos.
A previsão é de que a obra fique pronta até abril de 2026.