Ex-embaixador: diplomacia buscada por Tarcísio tem zero poder de negociação

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), prometeu buscar uma “relação paradiplomática” com governadores dos EUA para contornar o tarifaço prometido por Donald Trump. No entanto, sua margem de manobra é limitada, e a tarefa de negociar cabe ao governo federal, segundo o ex-embaixador Rubens Barbosa.

O que aconteceu

Paradiplomacia é a atividade complementar à diplomacia formal, que corresponde ao governo federal. O governador de São Paulo disse a empresários com quem se reuniu nesta terça que era esse o caminho que ele iria seguir diante do tarifaço de Trump, que pode atingir as empresas paulistas.

Não cabe a Tarcísio tomar a frente nas negociações, diz ex-diplomata. Barbosa, que atuou como representante do Brasil junto ao governo dos EUA (1999-2004), disse que, tanto nas negociações comerciais quanto nas políticas, a mobilização deve partir de Brasília. “O governo estadual não negocia nada, quem negocia é o governo federal”, afirmou.

Tarcísio se reuniu com empresários no Palácio dos Bandeirantes. Além de representantes de empresas exportadoras e entidades setoriais, estava presente também o encarregado de Negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar. Um secretário afirmou ao UOL que a ideia era “mostrar ao pessoal da embaixada americana os impactos da decisão de Trump”.

“Tarcísio pode falar com algum governador, fazer uma espécie de lobby pelos interesses, mas não interfere”, disse Barbosa. Segundo o ex-embaixador, existem missões estaduais que visitam outros países, mas isso não significa que eles negociem. O UOL procurou a Secretaria de Comunicação do Governo do Estado, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Executivos de empresas paulistas tentarão diálogo com estados americanos. Após a reunião de noventa minutos no Palácio dos Bandeirantes, empresários saíram dispostos a contatar seus parceiros comerciais nos EUA e que eles possam intervir junto aos governos estaduais para aumentar a pressão sobre o governo Trump pela redução ou recuo da decisão das tarifas.

Quem negocia é o governo federal, os estados têm zero poder de negociação.
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington

Presidente do Senado concorda que Planalto encabece reação ao tarifaço. “Tenho convicção também de que esse processo tem que ser liderado pelo Poder Executivo. Essa relação diplomática internacional tem que ser feita pelo chefe de governo, pelo chefe de Estado”, disse Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), na manhã de hoje. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) é quem preside o comitê contra o tarifaço.

Empresários que participaram da reunião com o governo estadual consideraram o encontro “fraco”. Na avaliação de uma das entidades presentes, o encontro foi marcado por um tom moderado, sem anúncios concretos ou medidas imediatas. Segundo esse líder empresarial, o governo ressaltou a proposta de uma atuação “paradiplomática”, mas “sem sinalização de ações práticas de curto prazo”. O representante de outro segmento que participou da reunião disse que não surgiram “definições objetivas”.

Participação empresarial é importante porque setor privado tem influência sobre o governo americano, avalia ex-embaixador. “As reuniões em Brasília e em São Paulo ocorreram para que os empresários fossem mobilizados para atuar junto aos americanos para que eles falem com o governo dos EUA. As empresas americanas já estão atuando em favor da redução das tarifas”, observou Barbosa.

Disputa política

As idas e vindas de Tarcísio após o anúncio de Trump expuseram a disputa política com o governo federal. O governador de São Paulo é um dos nomes prováveis para herdar o capital político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e disputar as eleições presidencias ao lado do presidente Lula, caso ele decida se candidatar. Contudo, o episódio desgastou a imagem do ex-ministro.

Primeiro, Tarcísio apoiou Trump e Bolsonaro e atacou Lula. Um dia depois de publicar as mensagens, o governador, que vinha tentando conquistar mais aliados no campo político do centro como estratégia política para 2026, foi criticado por políticos de esquerda e por bolsonarista. Ao UOL, aliados do governador disseram que ele agiu “pressionado” ao defender Trump e Bolsonaro.

Tarcísio tenta reconstruir a imagem com ajuda do discurso econômico após desgaste. Na avaliação dos secretários do governador, a ordem é de “deixar a poeira baixar” e concentrar o foco dos discursos na economia e evitar exposição. Após a reunião com os empresários paulistas, Tarcísio não falou com a imprensa.

Reunião com empresários tem como objetivo mostrar preocupação após críticas, avalia especialista. Para o cientista político da FGV Marco Antônio Teixeira, o governador “joga para sua plateia”. “Ele quer mostrar que está se mexendo para recuperar o desgaste de um lado com os empresários e de outro, com a opinião pública”.

Convergência com o governo federal após ataques. Teixeira ressalta que as negociações com empresas americanas não competem a Tarcísio, mas à diplomacia brasileira. Mesmo assim, o governador quer mostrar uma “convergência” com as ações realizadas pelo governo federal, segundo o cientista político, no sentido de mostrar que reduzir as tarifas “é um problema de todos”.

Alckmin ‘empoderado’

Vice-presidente e ministro, Geraldo Alckmin tem conduzido as reuniões do comitê de crise com setores do agro e da indústria. O grupo tem a missão de conversar com representantes de entidades e empresas que mantêm relação comercial mais estreita com EUA: aviação, aço, alumínio, celulose, máquinas, calçados, móveis e autopeças. Após a reunião com os setores industriais, Alckmin recebeu empresários do agronegócio.

Empresários querem saída diplomática, e evitar reciprocidade. “O governo ouviu empresários que disseram que não deveria haver retaliação por parte do Brasil, que tem que negociar”, disse Barbosa. Segundo o ex-embaixador, o Brasil deve fazer como a Europa e o Japão: intensificar negociações e pedir a redução das tarifas. “Precisa responder aos dois pontos da carta [de Trump] sobre a questão comercial e as big techs.”

“Pessoa mais habilitada é o Geraldo Alckmin”, diz ex-embaixador nos EUA. “Ele teria que ir a Washington conversar com ministros”, argumentou. Barbosa defendeu deixar de lado questões político-ideológicas e iniciar logo a conversa com os americanos. “Na área político-diplomáticas não houve nenhum contato, isso tem que ser superado.”

Câmaras de comércio dos EUA e Brasil pediram aos governos dos dois países que estabeleçam negociações de alto nível. “A imposição dessa medida [tarifaço] como resposta a questões políticas mais amplas tem o potencial de causar danos graves a uma das relações econômicas mais importantes dos Estados Unidos, além de estabelecer um precedente preocupante”, disseram os órgãos em nota.

Entidades se colocaram à disposição para apoiar negociações. “A US Chamber [Câmara de Comércio dos EUA] e a Amcham Brasil [câmara bilateral de comércio] seguem à disposição para apoiar iniciativas que favoreçam uma solução negociada, pragmática e construtiva — que evite a escalada da atual situação e garanta a continuidade de um comércio bilateral mutuamente vantajoso.”

Produtores de carne conversam com importadores. “As negociações precisam continuar”, disse Roberto Perosa, presidente da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). “Estamos apoiando as negociações do governo federal e conversando com os importadores americanos”, acrescentou. O presidente da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), Pavel Cardoso, ressaltou que o ambiente da reunião foi de negociação, urgência e manutenção das relações comerciais entre os países.

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