Trump apostou. Anunciou uma tarifa de 50% sobre as importações brasileiras em troca do fim da “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro. O governo Lula não cedeu. Defendeu a soberania do Brasil e segue articulando para reverter o que chamou de “chantagem inaceitável”. E, no meio disso, o Supremo Tribunal Federal seguiu seus ritos – que culminaram em Bolsonaro como alvo de uma ação da Polícia Federal nesta sexta-feira, 18. A aposta foi dobrada. Agora, o clima segue indefinido, é o que apontam cientistas políticos ouvidos pelo Terra sobre o imbróglio.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
O Brasil não foi o único país ameçado por novas taxações de Trump nas últimas semanas – muito pelo contrário. Mas, no caso brasileiro, a situação está para além da economia. “Em vários momentos, Trump recuou das taxas, mas a questão Bolsonaro e das redes sociais deixam um caminho indefinido”, pontua Eduardo Heleno, cientista político e professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Isso porque, ao anunciar a taxação ao Brasil, além de frisar que o julgamento de Bolsonaro em torno da trama golpista “não deveria estar acontecendo”, Trump também criticou o que chamou de “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos” por conta de medidas tomadas pelo STF em torno das redes sociais – o que o republicano considera “censura”.
“O prejuízo causado por Bolsonaro afeta negativamente tanto o Brasil quanto os Estados Unidos. Cabe à diplomacia dos dois países utilizar os corredores de negociação para chegar, de forma pragmática, a um bom termo”, pontua Heleno.
Sérgio Simoni Jr., professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), também vê um cenário delicado para os próximos dias. Considerando o estilo de governar peculiar e agressivo de Trump, que segue sem muitos protocolos em relação às estratégias de governo, ele acredita que podem ocorrer reviravoltas no curto prazo.
“O Trump é muito imprevisível, mas claro que ele é constrangido também pelos interesses econômicos. E lá nos EUA alguns setores vão sair perdendo com essas taxas”, comenta.
Para Simoni Jr., por mais que Bolsonaro seja apontado uma das principais justificativas para o tarifaço ao Brasil, no fundo, a discussão gira em torno da regulação das big techs, avalia. “São empresas importantes para os Estados Unidos e para o movimento do Trump, em particular, também como forma de tentar minimizar o poder da China”.
A discussão em torno da regulamentação das plataformas digitais não é de agora — mas há avanços recentes na direção de uma maior responsabilização das empresas. No fim de junho, por exemplo, o STF formou maioria na decisão de que as big techs que operam as redes sociais podem ser responsabilizadas diretamente pelas postagens ilegais feitas por seus usuários.
Em paralelo, ambos os cientistas políticos encaram que o cenário ampliou o apoio ao presidente Lula. “O governo Lula está estancando um pouco a desaprovação popular. As atitudes que o governo está tomando estão aparentemente ajudando ele a recuperar um pouco a popularidade, o que inicialmente seria no discurso dos ‘ricos contra pobres’ agora também é no discurso da soberania nacional com relação aos Estados Unidos”, pontuou Simoni Jr..
Bolsonaro alvo da PF e resposta dos EUA
A sexta-feira começou com Jair Bolsonaro sendo alvo de dois mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal, após decisão de Alexandre de Moraes, do STF. O pano de fundo é o inquérito que investiga articulações de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e deputado federal licenciado, com o governo Trump, que estariam instigando sanções contra autoridades brasileiras.
Moraes aponta que Bolsonaro estaria atuando em conjunto com seu filho nos “atentados à soberania Nacional com o objetivo claro de interferir no curso de processos judiciais, desestabilizar a economia do Brasil e pressionar o Poder Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal”.
Agora, Jair Bolsonaro passa a estar sob medidas restritivas. Na manhã desta sexta, ele começou a usar tornozeleira eletrônica, está proibido de acessar redes sociais, terá que ficar em recolhimento domiciliar de 19 horas às 6 horas de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriado, e está proibido de se comunicar com embaixadores e autoridades estrangeiras, além de se aproximar de sedes de embaixadas e consulados.
No entendimento de Moraes, Jair Bolsonaro confessou sua “consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira” ao condicionar o fim da taxação de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil, à sua própria anistia.
Como resposta direta, na noite de sexta-feira, o governo dos EUA anunciou a revogação do visto norte-americano do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, de seus familiares próximos e de aliados políticos.
O anúncio veio por meio de publicação no X, antigo Twitter, de Marco Rubio, o secretário de Estado dos Estados Unidos. Segundo ele, o governo dos EUA “responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de liberdade de expressão protegida nos Estados Unidos”.
“A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo os americanos”, acrescentou Rubio.
Até o momento, as autoridades dos Estados Unidos não fizeram um novo posicionamento com relação à taxação de 50% sobre as importações brasileiras. Eduardo Bolsonaro, em entrevista à CNN, espera que não haja recuo por parte do governo Trump: “Se tudo der errado, pelo menos, nós estaremos vingados”.
O que diz a defesa do ex-presidente
Por meio de nota enviada ao Terra, na manhã de sexta-feira, 18, a defesa do ex-presidente afirmou que “recebeu com surpresa e indignação a imposição de medidas cautelares severas contra ele, que, até o presente momento, sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”.
Após terem acesso à decisão, em novo contato, a defesa argumentou que “as graves medidas cautelares foram impostas em função de atos praticados por terceiros, circunstância inédita no direito brasileiro. As frases destacadas como atentatórias à soberania nacional jamais foram ditas por Bolsonaro. E não parece ser justo ou mesmo razoável que o envio de dinheiro para seu filho, nora e netos possa constituir motivo para impor medidas cautelares como estas, especialmente porque feito muito antes dos fatos ora sob investigação”.
O PL, partido do ex-presidente, também afirmou que repudia a operação e que recebeu a notícia com estranheza. Segundo a legenda, a ordem do STF seria “desproporcional, sobretudo pela ausência de qualquer resistência ou negativa” por parte de Bolsonaro. O comunicado é assinado pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.
Deixe um comentário