Moraes abre margem para leitura dúbia de censura em cautelar de Bolsonaro

Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes abre espaço para uma leitura dúbia sobre censura prévia e medidas cautelares da Justiça.

O que aconteceu

Bolsonaro está impedido de usar redes sociais para se manifestar, seja diretamente ou “por terceiros”. Em despacho expedido na segunda, Moraes informou que a proibição se estende “obviamente, às transmissões, retransmissões ou à veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão.”

Decisão de Moraes gerou discussões sobre possível censura prévia ao ex-presidente. Para alguns dos especialistas ouvidos pela reportagem, o ministro não proibiu o ex-presidente de dar entrevistas, mas quis evitar que declarações dele pudessem interferir o curso dos processos que enfrenta no STF. Para outros, a determinação viola a liberdade de expressão e de imprensa.

Bolsonaro cancelou entrevista que concederia na segunda e alegou temor de prisão. Após consultar advogados, ele desistiu de falar ao vivo com o portal Metrópoles. A defesa negou descumprimento de medidas cautelares, após Moraes dar 24 horas para os advogados explicarem fotos do ex-presidente com tornozeleira compartilhadas por aliados nas redes sociais — o ministro citou a possibilidade de prisão por violação das medidas cautelares.

Veja o que dizem especialistas Direito:

Pedro Serrano, professor da USP

“Falar em censura prévia é um exagero porque ele [Bolsonaro] não está no exercício pleno de sua liberdade.”

O presidente Bolsonaro não está preso, mas está com a liberdade controlada pelo Estado. Não há dúvida da legitimidade dessa ordem [de Moraes]. (…) Pode haver limitação da liberdade de expressão para preservar investigações e processos judiciais.

Se ele tivesse preso, ele não daria entrevista para ninguém. Tem toda uma burocracia para dar entrevista quando se está preso. O ministro Alexandre tratou de estabelecer medidas cautelares mais leves que a prisão. Isso pode implicar em restrições, como a de conceder entrevista.
Professor de Direito Constitucional na USP (Universidade de São Paulo)

Marina Coelho, advogada criminalista

“Vejo um excesso punitivo nessas medidas, que eram para ser preventivas.”

Vejo também uma tentativa de abarcar todas as questões relativas a Jair Bolsonaro, e não só às ações dele, especificamente.

Se ele sai na rua, algum jornalista fala com ele e depois coloca numa mídia social, não foi ele quem colocou. Foi o jornalista. Então, ele está querendo, sim, censurar todas as pessoas que falam com o Bolsonaro. A censura prévia que eu vejo é no sentido do assunto Bolsonaro, assunto tornozeleira. Quer dizer, o Bolsonaro não pode sair na rua, porque, onde ele sair, vai ter alguém que vai falar com ele e pode comunicar essas falas.
Advogada criminalista e vice-presidente do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo)

Diego Nunes, professor da UFSC

“Ele [Bolsonaro] ficar falando a torto e a direito interfere na produção de provas, e [o processo] ainda não acabou.”

O caso do Bolsonaro ainda está em processamento. Podem ser juntadas novas provas. Um post, uma entrevista do Bolsonaro, por exemplo, pode fazer uma pessoa destruir um documento que poderia ser usado como prova no processo.

De um lado da balança, tem a liberdade de imprensa, de expressão do Bolsonaro. Do outro, a segurança pública, o correto resultado do processo criminal. É preciso implicar em que sentido você pode abdicar de direitos fundamentais, constitucionais, como a liberdade de expressão do acusado e a liberdade de imprensa e, de outro, a segurança pública, o fato de que não haverá manipulação de provas, interferência na economia. Aqui, tens um equilíbrio mínimo para justificar uma medida dessas.
Professor da Faculdade de Direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

Davi Tangerino, professor da UERJ

“A Constituição expressamente proíbe censura prévia.”

Entendo que sim [houve censura prévia]. A regra geral é a seguinte: as pessoas são responsabilizadas pelo que dizem e fazem, mas não podemos impedi-las de dizer. Tem um certo paradoxo aqui: a alternativa seria, então, para garantir que ele não interfira mais, prendê-lo.

Essa cautelar é melhor do que não prender, mas, pelo outro lado, ela [censura prévia] é vedada pela Constituição.
Jurista e professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

Helena Lobo da Costa, professora da USP

“Essa censura prévia é autorizada, excepcionalmente, pelas nossas leis.”

Vamos imaginar a pior medida cautelar: a prisão preventiva. É uma prisão que não é pena, só não houve condenação. Por exemplo, ela ameaçou uma testemunha. O juiz, para garantir que o processo vai transcorrer tranquilamente e sem intercorrências indevidas, coloca o acusado na prisão. Seria como se perguntasse: ‘Essa prisão preventiva não é uma restrição à liberdade de locomoção?’. É óbvio que é. Toda medida cautelar restringe um direito fundamental. Pode restringir o direito de viajar para o exterior, pode restringir o direito de livre locomoção dentro do território nacional.

É uma censura prévia? É. Nossas leis dizem o seguinte: se tiver risco de que essa manifestação do pensamento e concretude do exercício de liberdade de expressão trouxer chance de fuga da pessoa, de reiteração da prática do crime, de prejudicar o processo e frustrar a aplicação da pena, são os riscos que nossa legislação se preocupa.

Se esses riscos existirem, eu posso fazer essa censura prévia.
Advogada e professora de direito penal da USP

José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça

“Eu não posso ter liberdade de expressão para propor e incentivar crimes.”

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