O avanço do desmatamento nas regiões Norte e Nordeste do Brasil tem afetado comunidades extrativistas, como as quebradeiras de coco babaçu, uma árvore nativa do Cerrado que é fonte de renda de pelo menos 350 mil mulheres. Antes presentes nos quintais das casas, os babaçuais estão cada vez mais distantes ou sofrem com a contaminação por agrotóxicos aplicados em áreas de grãos que estão próximas aos babaçuais. Viver do coco, dizem as quebradeiras, tem se tornado mais difícil.
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“Antes, os babaçuais estavam nos nossos quintais. Hoje, temos que caminhar até dois quilômetros para entrar na floresta”, diz Maria Edinalva Ribeiro, quebradeira no município de Berço do Papagaio (TO). A situação chamou a atenção da ActionAid Brasil, que elaborou um estudo inédito sobre os impactos da expansão agrícola nos territórios dos babaçuais. A organização vai publicar o relatório nos próximos dias.
Segundo a entidade, que antecipou o estudo ao Valor, o avanço da soja levou ao cercamento das palmeiras, dificultando o acesso das mulheres ao coco. A pulverização de agrotóxicos nas lavouras próximas também contamina as árvores, comprometendo sua produtividade.
A entidade também mapeou o montante dos financiamentos a tradings internacionais que atuam nos Estados onde estão as comunidades extrativistas. O objetivo era entender se os recursos levam ao desmatamento, mesmo que indiretamente, do bioma Cerrado nos territórios de Maranhão, Tocantins e Piauí.
Segundo a ActionAid Brasil, o avanço da fronteira agrícola implicou em cercamentos, dificultando o acesso ao babaçu, além da contaminação por pulverizações químicas em áreas próximas aos babaçuais, especialmente no Cerrado do Matopiba (região que abrange partes de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A maioria das quebradeiras vive no Maranhão.
Entre as constatações das quebradeiras está a de que o desmate e a contaminação das árvores reduzem a produtividade das palmeiras, o que ameaça a atividade, principal fonte de renda de ao menos 350 mil mulheres ligadas ao Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Do coco, elas extraem farinha, bolos, azeites e outros produtos.
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A pesquisa também destaca a piora das condições das quebradeiras entre 2016 e 2022. Nesse período, instituições como HSBC, Bank of America, JPMorgan Chase e Citigroup financiaram operações de grandes tradings globais. A ActionAid não acusa diretamente os bancos nem as empresas, mas aponta que o financiamento ao agro viabiliza a produção e exportação de commodities.
Segundo o relatório, entre 2016 e 2022, o HSBC liberou US$ 12,7 bilhões em empréstimos a empresas como Cargill, ADM, Bunge e LDC. O Bank of America liberou US$ 11,4 bilhões, o JPMorgan, US$ 11,1 bilhões, e o Citigroup, US$ 10,3 bilhões.
“O modelo de negócio dessas corporações, sustentado por bancos globais, alimenta um ciclo de destruição que vai além do desmatamento ilegal”, afirmam Junior Aleixo e Carla Morsch Porto Gomes, autores do estudo.
Para os pesquisadores, a expansão da monocultura e a pressão sobre territórios tradicionais têm desapropriado comunidades extrativistas no Sul Global, como as quebradeiras no Brasil. Aleixo reforça que a pressão sobre os babaçuais representa risco à segurança alimentar e à sustentabilidade do uso do solo.
O distanciamento entre quebradeiras e árvores de babaçu ocorre em todos os Estados de ocorrência da espécie, mas, para elaborar o estudo, os pesquisadores consideram dois casos no Maranhão. Durante um ano, os autores avaliaram a comunidade Alegria, em Timbiras, e a Cooperativa de Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (Coppalj). Os depoimentos são anônimos. Em Timbiras, há histórico de grilagem, agravado pela recente expansão da soja. A ActionAid estima perda de 50% a 70% na produção agrícola das famílias em 2024, devido à pulverização aérea de agrotóxicos.
Na Coppalj, pioneira entre cooperativas de mulheres quebradeiras, a pulverização ameaça a certificação de produção orgânica. Maria Alaídes Souza, quebradeira em Lago do Junco e liderança do MIQCB, diz que, em 20 anos, não houve diálogo com empresas da região. “As florestas de babaçu estão cada vez mais longe de casa”, afirma ela.
No Piauí, o cenário é similar. Em Esperantina, Helena Gomes, de 55 anos, lembra que começou a quebrar coco aos sete. “O desmatamento prejudicou muito nossa vida. Sabemos de pelo menos 300 hectares de babaçus derrubados nos últimos 20 anos”, conta.
Os problemas climáticos também têm reduzido a produtividade. Gomes diz que, em bons dias, coleta até 20 litros de coco, mas o rendimento depende do adensamento das palmeiras e do acesso.
A agenda climática preocupa o movimento, que reúne cerca de 350 mil mulheres. As lideranças estaduais fazem reuniões preparatórias para a 30 Conferência do Clima (COP30), que ocorrerá em Belém em novembro. As principais demandas: direito à terra, babaçus livres de cercas, fim do desmatamento e da pulverização excessiva.
O que dizem as empresas citadas
Em resposta ao Valor, a Cargill disse que mantém políticas de due dilligence e bloqueio de fornecedores que não cumprem os critérios da companhia, além de monitorar, por satélite, riscos socioambientais. No Maranhão, a empresa atua em projetos sociais em Balsas e Porto Franco. A Cargill informou ainda que apoia iniciativas com quebradeiras de coco.
Por sua vez, a LDC afirmou não operar diretamente com grãos na região, apenas por meio de joint ventures, e que adota critérios de rastreabilidade e mitigação de riscos socioambientais. A Bunge respondeu que realiza checagens socioambientais antes de cada compra e que tem 100% de rastreabilidade para compras diretas e indiretas de soja no Cerrado. Alega seguir sua política global de não desmatamento e de fornecedores. Já a ADM disse que não irá comentar.
Procurados, HSBC, Bank of America, JP Morgan Chase disseram que não iriam comentar. O Citigroup disse que a Gestão de Riscos Ambientais e Sociais do banco inclui requisitos específicos para setores do agronegócio, como a soja, inclusive para empresas que fazem negócios em ecorregiões críticas, como o Cerrado.
Procurado pelo Valor, o Ministério do Desenvolvimento Agrário disse reconhecer a importância das quebradeiras para a segurança alimentar e que atua na regularização fundiária e para valorizar a atividade com linhas específicas de crédito do Plano Safra, como a nova política SocioBio Mais, que prevê pagamento de valores mínimos a produtos como o babaçu.
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