Caderno de anotação, contabilidade paralela e gastos ocultos: as provas que cassaram a filha de Eder Moraes

Contabilidade paralela, reserva de dinheiro em espécie para compra de votos, despesas simuladas e gastos omitidos: as provas que o juiz Raul Lara Leite examinou para cassar o mandato de Monnize Dias (União) como vereadora por Diamantino e condenar seu pai, o ex-secretário da Fazenda de Mato Grosso, Eder Moraes Dias, por “caixa 2”, abuso de poder econômico captação ilícita de sufrágio nas eleições 2024.

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Em sentença proferida nesta quarta-feira (9), o magistrado condenou ambos a inelegibilidade de 8 anos, cassou o mandato de Monnize e ordenou que paguem multa de R$ 53 mil.
A prova mais contundente do esquema de votos e apoio político, segundo a sentença, é proveniente do cruzamento das anotações do caderno apreendido com Eder no hotel Villa dos Parecis em 5 de outubro, um dia antes do pleito, com o depoimento de testemunhas e do dinheiro em espécie também encontrado com o ex-secretário.
Raul Lara Leite asseverou que as anotações configuram prova inequívoca de que Eder, responsável pela coordenadoria financeira da campanha da filha, abriu uma “contabilidade paralela” para esconder as irregularidades. Nomes de cabos eleitorais, valores específicos e assinaturas demonstraram o controle rigoroso de despesas não declaradas à Justiça.
Conforme admitido pelo próprio Eder, seriam “projeções de campanha” – o que foi rechaçado. Para o magistrado, a riqueza de detalhes e a correspondência com pagamentos efetivos desmentem tal versão.
Do cruzamento das anotações com o depoimento da testemunha E.C., o juiz verificou o seguinte: o caderno continha o registro “E.C. – 60 dias – Ago/Set 2024 – vinte votos: 5.000,00 – 2x: 2.5000”, com assinaturas de Eder e E.C.
Em juízo, a testemunha alegou que aluga uma sala para Eder por R$ 500 mensais, explicação que Lara Leite considerou “fatal para a defesa”. Foi confirmado que a assinatura era sua e que a expressão “20 votos” já constava no caderno no momento da assinatura, e admitiu ter se comprometido a pedir votos para Monnize.
“A negociação não se tratava de simples aluguel (R$ 500,00 mensais), mas de transação que envolvia vantagem econômica desproporcional (R$ 5.000,00) em troca de número específico de votos”, anotou o juiz.
Também chamou a atenção do magistrado a tentativa do policial militar C.M.L.A. de desqualificar sua assinatura no caderno de Eder, afirmando que seria uma brincadeira. “Carece de qualquer credibilidade”, anotou Raul Lara Leite, acrescentando que um militar não brinca de assinar questões de contabilidade durante campanha sobretudo se existe registros de valores ao lado de seu nome, bem como porque C.M.L.A. gravou vídeo de apoio à Monnize, evidenciando a natureza eleitoral envolvendo retribuição financeira.
Durante a ação, as diligências apreenderam R$ 6 mil em dinheiro vivo, montante que, de acordo com a sentença, configura reserva de recursos em espécie para fins ilegais. O dinheiro estava fracionado em cédulas de R$ 100 e R$ 50, as quais, segundo Eder, seriam para pagar sua hospedagem. Para o juiz, contudo, a alegação não se sustenta diante da falta de respaldo probatório: o fracionamento do valor em notas a um dia das eleições, sem justificativa plausível, evidenciou que o dinheiro seria usado para compra de votos, “prática comumente realizada com dinheiro em espécie para dificultar a rastreabilidade”, acrescentou.
As despesas simuladas foram as provas mais categóricas encontradas sobre a prática do “caixa dois”. O caderno registra pagamento de R$ 1.080,00 para “M.L.”, mas a prestação de contas oficial declara apenas R$ 480,00. A testemunha foi contundente: não trabalhou na campanha e não recebeu qualquer valor. A simulação desse gasto é um dos métodos clássicos do “caixa dois”.
Embora a neta e filha de Eder tenham comprovado trabalho na campanha, elas receberam apenas R$ 480 declarados, valor diferente do que estava anotado no caderno dele: “contratação 10 contratos – M.L. R$ 1.080 – M.E. R$1.080 – M. R$1.080)”.
Sobre os gastos omitidos, Eder escondeu material de propaganda eleitoral: omitiu e apresentou dupla comprovação à Justiça. Primeiro sobre camisetas com a frase “Desenvolve Diamantino”, as quais implicitamente trataram-se de material de campanha, mas não foram declaradas; segundo a ausência total de registro da expressiva quantidade de camisetas padronizadas e apreendidas em seu carro, usadas durante eventos de campanha.
Quando questionado em audiência sobre a origem do material, Eder apenas afirmou que “algumas foram voluntárias”, o que evidenciou a omissão sobre a existência de documentação fiscal dessas peças.
“Tal conduta, associada à ausência de qualquer comprovante de despesa ou nota fiscal na prestação de contas, evidencia a ocultação deliberada de gastos eleitorais. Merece destaque que, conforme a prestação de contas oficial, foram contratados apenas 12 cabos eleitorais. Contudo, o volume de camisetas apreendidas excede significativamente o número de pessoas formalmente vinculadas à campanha, indicando distribuição massiva e não contabilizada de material de propaganda, em flagrante violação ao dever de transparência na prestação de contas”, completou o juiz.
Por fim, o abuso do poder econômico para desequilibrar o pleito restou demonstrado, segundo a sentença, diante do valor gasto. “É evidente pelo planejamento de gastos anotado no caderno, na ordem de R$ 250.000,00 a R$ 300.000,00, valor que supera em múltiplos o teto legal de R$ 39.426,22 e demonstra a intenção de usar o poderio econômico para criar um desequilíbrio insuperável na disputa”, diz outro trecho da sentença.

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