O dado, até então indisponível, confirma o Brasil como um dos principais fornecedores de petróleo aos israelenses durante a operação em Gaza, denunciada pelos tribunais internacionais como crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A informação era aguardada há meses por organizações da sociedade civil e parlamentares que denunciam o envolvimento brasileiro no abastecimento de recursos estratégicos utilizados pelo governo de Netanyahu em sua ofensiva militar na região e, em especial, em Gaza.
O que dizem as empresas petroleiras
A Petrobras afirmou que não vende o combustível para Israel desde outubro de 2023. Em nota, a empresa afirmou que “comercializa petróleo por meio de venda direta para refinadores estrangeiros e mantém controle de suas entregas até o destino”. “A Companhia não vende petróleo bruto ou óleo combustível para clientes de Israel desde 2023”, afirmou.
“A Petrobras não é a única produtora e exportadora de petróleo do Brasil. Atualmente, as exportações da Petrobras correspondem a cerca de 40% do total de exportações de petróleo do Brasil. Os outros 60% são comercializados por outras empresas que atuam no país, como operadoras ou parceiras”, apontou.
Enquanto isso, a ANP diz não ter o detalhamento de quais são as empresas envolvidas nos números que ela divulga em seu anuário, já que os dados seriam do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Já a Shell se recusou a comentar ao ser questionada se estava usando petróleo retirado no Brasil para vender para Israel. “Devido a aspectos comerciais, a Shell prefere não comentar”, disse a empresa.
Mobilização
Mesmo assim, com a divulgação oficial dos dados da ANP, cresce a expectativa de que movimentos como o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e sindicatos da categoria retomem com mais força a mobilização contra o envolvimento do Brasil com o regime israelense em pleno cenário de crimes de guerra e contra a humanidade.
Para fontes na campanha, o tema ganha contornos jurídicos, com implicações que ultrapassam a diplomacia comercial e tocam diretamente na ética e nos compromissos internacionais do país com os direitos humanos.
Os números confirmam o que já vinha sendo denunciado por entidades como a organização internacional Oil Change International, que em 2024 apontou o Brasil como o quarto maior fornecedor de petróleo cru a Israel desde o início da ofensiva militar.
Segundo a pesquisa, o produto brasileiro representou cerca de 9% do total consumido por Israel durante o conflito e teria sido comercializado pela Shell e pela TotalEnergies.
Até o fechamento desta edição, a TotalEnergies não tinha respondido aos pedidos de esclarecimento por parte da reportagem.
Na ofensiva em Gaza, o petróleo e combustíveis passaram a ser um elemento crítico nas negociações. Israel dificultou a entrada dos produtos no território palestino, alegando que seriam desviados pelo Hamas. A OMS e entidades humanitárias denunciaram o gesto que, em muitos casos, deixou hospitais sem energia.
No caso de Israel, as múltiplas frentes de guerra levaram as importações de combustíveis a atingir seu maior nível desde julho de 2022. As importações de gasolina, diesel, combustível de aviação e gasóleo estão estimadas em 74 mil barris por dia para junho, de acordo com os dados de remessa coletados pela empresa Kpler, que monitora o setor.
No caso do Brasil, os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços mostram que o petróleo foi o principal produto exportado pelo Brasil a Israel em 2024, totalizando US$ 216 milhões (aproximadamente R$ 1,2 bilhão). O volume representa 30% do total vendido pelo Brasil ao mercado israelense.
No final de maio, a FUP (Federação Única dos Petroleiros) e a FNP (Federação Nacional dos Petroleiros) enviaram uma carta ao presidente Lula pedindo a suspensão imediata das exportações de petróleo brasileiro a Israel.
Fontes que fizeram parte da campanha indicaram que a ação dos petroleiros estava paralisada à espera de dados oficiais da ANP, que agora foram tornados públicos.
A pressão se intensificou no último dia 10 de julho, quando a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) apresentou um requerimento ao Ministro de Minas e Energia solicitando esclarecimentos sobre as exportações brasileiras de petróleo e derivados para Israel desde o início da guerra em outubro de 2023.
A revelação foi considerada “muito grave” pela parlamentar. “O aumento de 51% das exportações de combustível para Israel é relevante e muito grave, pois significa que, na prática, se intensificou a exportação de petróleo brasileiro justamente quando o genocídio também se intensificou em Gaza”, afirmou Sâmia ao UOL.
“Nosso mandato já havia entrado com um Requerimento de Informação para apurar a situação, e vamos ampliar a divulgação desses dados para os movimentos que defendem a Palestina”, disse. “É necessário intensificar a pressão para que se interrompa o fornecimento, bem como seguir a mobilização pelo rompimento imediato de relações comerciais e diplomáticas com Israel”, defendeu.
O requerimento parlamentar traz oito perguntas centrais, abordando desde a existência de cláusulas de direitos humanos nos contratos de exportação até os mecanismos de fiscalização do destino do petróleo extraído no Brasil. A deputada também questiona se houve alguma revisão nas diretrizes de exportação após as decisões da Corte Internacional de Justiça, que reconheceu a plausibilidade de genocídio na Faixa de Gaza.
Relatora da ONU apontou para participação da Petrobras
Os dados ainda são publicados no momento em que a relatoria da ONU liderada por Francesca Albanese incluiu a Petrobras na lista de empresas que se beneficiam das ofensivas militares de Israel. Ela teria abastecido refinarias israelenses. A empresa, porém, insiste que não vendeu a partir de outubro de 2023.
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